segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Nunca me esqueças de Lesley Pearse

 Ainda muito a quente vou opinar sobre este livro que para mim é quase, sem sombra de dúvida, o meu melhor livro lido do ano! Brutal!! 


Antes de mais, tenho que dizer o mesmo que já ouvi dizer pela boca de muita gente que também opina sobre as suas leituras...porque raio é que continuam a insistir nestas capas? No saquinho de organza e até no título e sub-título que, sinceramente, pouco tem a ver!! Isto é, a personagem desta história  - Mary Broad é realmente alguém que não se esquece, mas penso que, se disse isto a alguém - "nunca me esqueças" foi muito para o final da história e diria até que nem é muito típico da humildade que sempre evidenciou ao longo de todo livro. Maryde facto, colocou-se sempre em segundo plano e por isso dizer para alguém não a esquecer foi mesmo num determinado contexto, muito específico.

A capa, não retrata de todo a personagem trigueira, pequena, mas nada delicada, com cabelo castanho escuro, quase preto aos cachos. Nas fases piores, muito mal vestida, toda esfarrapada e escanzelada, olhos macilentos, muita sujidade entranhada que não era mais porque zelava pela sua higiene fosse como fosse...portanto, a menina toda bem composta de pele bem tratadinha, olhando para o horizonte com um ar doce e encantador, tranquilo, bem ...é completamente contraditória à personagem principal desta história! 

Colocar este livro num saquinho de organza é meio caminho andado para pessoas que gostam pouco de romances de encantar e docinhos, cheios de romantismos melíferos, se afastem do livro e é pena, mas mesmo muita pena! É que este romance é absolutamente extraordinário, duro, brutal, angustiante, mas de uma bravura, de uma coragem e determinação que só lendo. Trata-se de um romance baseado numa história real, e já ouvi dizer, que a vida real e a "cores" é bem mais dura do que qualquer história romanceada, estou quase a acreditar nisto mesmo.

Indo para esta história que tantos momentos marcantes teve, ela começa com um roubo de estrada, Mary sob influência de outras pessoas que estavam na ladroagem há mais tempo do que ela, é apanhada a roubar um chapéu de uma senhora chique que ia a passar. Nesta altura (1786) e em Inglaterra, este tipo de crime tinha como pena a condenação à forca (nem mais nem menos!).

Em tribunal fica decidido que Mary e outros condenados sejam deportados para Nova Gales do Sul, o que viria a ser no continente Australiano. E desta forma, Mary parte para os confins da Terra (para o outro lado do planeta), navegando, passando pelo Brasil, Cidade do Cabo (o livro tem até um mapa que mostra o percurso efetuado pela designada "1ª frota" onde se incluiu Mary Broad. Após muito tempo e muitas angustias passadas no porão do navio-prisão, mal cheiroso e sujo até dizer chega! 

Este doloroso percurso em que a má sorte acompanha Mary a maior parte do tempo, foi demonstrando a falta de humanidade que muitos dos que tinham o poder impunham aos que eram deportados. Estes últimos eram verdadeiramente tratados abaixo de cão, ou antes, abaixo de qualquer animal que existe à superfície da Terra. Certo que nem todos os que tinham o poder de mandar e decidir, eram monstruosos, alguns demonstravam alguma humanidade e faziam para que as condições não fossem totalmente insuportáveis, mas na realidade, a maior parte das vezes nem condições existiam e muitos morreram antes de chegar à Baía de Botany, no novo continente. 


Para além de termos uma visão do que foi a vida de Mary nesta longa viagem e estadia na Baia de Botany e depois na enseada de Sidney ficamos a saber um pouco mais da história australiana que começou por ser um "depósito"de pessoas "indesejáveis" em Inglaterra, pela sobrelotação das prisões inglesas. Todo o tipo de prisioneiros, desde penas leves a penas de assassínio e que tais, eram deportados para lá - Austrália. Após 7 anos de pena cumprida, era atribuída uma terra para cultivo aos condenados e assim começariam o que seria uma nova vida. A maioria tinha poucas esperanças em regressar a Inglaterra.

Aconselho fortemente a leitura, mas só a quem tem estômago forte. Se por um acaso, pensa que tem em mãos um romancesinho de algibeira, cheio de melodrama e amor romântico aos molhinhos, desengane-se! Este é um romance histórico, cheio de garra e força, de revolver as entranhas, mas que a todo instante passa uma determinação e fé numa vida melhor por mais baixo que se tenha descido. E sim, há amor, mas muitas vezes é um amor fraternal daquele que une seres humanos com um absoluto desinteresse no outro em termos físicos ou carnais, apenas e tanto, no bem estar, alegria e felicidade do companheiro de desgraças e aventuras.

Numa só palavra - Extraordinário!! Fico é claro, com imensa vontade de ler mais, muito mais da autora! 


431 páginas
Autor: Lesley Pearse
Editora: ASA

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